quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

VOZES E VEZES

                       Vozes e vezes...
            Ela não tinha nem um nem outro. Ouvia suas músicas bem baixinho na ausência da insensibilidade alheia, mas nunca cantava. Não se enfeitava com brilhos e laços e não pintava sua alma com as cores do carmim de um dia. Não ousava desejar nada a não ser o cardápio do dia seguinte, isso quando o marido não se adiantava.
            Vivia em função de realizar os desejos carnais do marido, exceto os sexuais, porque esses ele realizava fora de casa mesmo. E ela sabia. Refiro-me aqui aos da gula pela carne. O assado, o bife, o ensopado. e para completar, a fresca, jovem, a nova... Qualquer uma que pulsasse e acreditasse, num ímpeto de carência, nas suas ladainhas sórdidas do desejo de qualquer coisa.
             Ela tratava também os filhos adolescentes como se fossem criancinhas de colo, incapazes de tirar a casca de uma banana ou lavar um copo, motivo pelo qual ela vivia na cozinha preparando lanchinhos e fazendo faxinas. Junto, para o lixo, a beleza da vaidade adiada que tinha ficado para um dia depois.
            O marido, esse tinha voz. Bonita por sinal. Nas horas vagas cantava que encantava. Sabia usar desse artifício para vez e vez conquistar as mais desavisadas, que enfeitiçadas caíam feito patinho. Um cafajeste. Usava versos roubados e decorados sorrateiramente para serem saboreados por mil amores esparramados, ingênuos. Amores insaciavelmente fugazes.
            "Flor", "Princesa e "Gatinha" eram palavrinhas comuns no seu vocabulário. Abusava das coitadinhas para as coitadinhas que acreditavam na ilusão do amor imediato e nas doces lembranças que ficavam na boca no dia seguinte como gosto de sonho de valsa ganhados às escondidas sob os olhares curiosos dos que admiravam sua cínica sinopse de amor barato, "com você é bom qualquer lugar..."
             Outro dia se atrevou com a fulaninha da esquina. Trocaram telefone, depois trocaram e-mail. Saíram pra qualquer lugar uma vez e ele jurou que era para sempre. Ela acreditou. Ligou. O telefone deu fora de área, e mais uma vez, como de costume, ele sumiu. Mudou o caminho. Desviou da fulaninha e da esquina. Todas as vezes dele eram assim. Sem o mínimo de criatividade.
              Um dia, chegou a sua vez.
             O telefone tocou. Voz de trovão, ele esbravejou, xingou meia dúzia de palavrões baratos como suas palavras de amor barato e saiu apressado. O e-mail ficou aberto. Ela entrou no quarto para desligar o computador. Espiou. As palavras afrontavam-lhe todos os sentidos. Eram muitas. As palavras e as outras. Entre tantas, ela. E nenhuma delas eram para ela. Eram para muitas, desconhecidas, qualqueres...
             Menos uma. A fulana da esquina, da loja de cd's.
             Finalmente, chegara sua vez. Largou a cozinha e resolveu atender ao cartaz da loja da esquina que contratava vendedoras, afinal os filhos já podiam se virar sozinhos.
             Trocou os vestidos velhos pela uniforme alinhado e resolver colocar cor nos olhos e nos lábios ávidos de vida. Perfumou os cabelos e soltou a voz com Chicos e Caetanos.
              Quem perdeu a voz foi o marido, que ao voltar para a casa, chegou a cantar a própria esposa sem saber que dela se tratava. A fulana, agora amiga de infância,  fez questão de esclarecer o mal entendido mais bem feito de todos os tempos de vida daquelas mulheres.
              Agora sim ela teria voz e vez.
              E as duas enfim compartilhariam, livres, sonhos musicados de cores e aromas. De VOZ e  de VEZ.
              
              



 

Um comentário:

  1. Dizem... que na vida somos escolhidos... mas há um certo momento que ESCOLHEMOS!!! VIVA A LIBERDADE E A DESCOBERTA DE SER E ESTAR VIVA!!!
    bjs

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Cola sua ESCREVÊNCIA na minha...Eu junto tudo e a gente faz uma canção...
Juntos, os nossos sonhos de ESCREVÊNCIA podem ser maiores...

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